Circula pelas redes sociais que o neurocientista britânico Karl Friston publicou estudo que mostra que 80% da população é imune ao novo coronavírus. Friston teria afirmado ainda que políticas de isolamento social são baseadas em uma “ciência falha”. Por meio do projeto de verificação de notícias, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:
“Um dos melhores estudos sobre o COVID-19 concluiu que a maioria das pessoas [80%] é imune ao vírus”
Legenda de imagem compartilhada no Facebook que, até às 19h do dia 24 de agosto de 2020, tinha sido compartilhado por diversas pessoas
A informação analisada pela Lupa é falsa. O neurocientista britânico Karl Friston não realizou estudo que mostra que 80% da população é imune ao novo coronavírus. Por e-mail, ele explicou que, na verdade, seu grupo de pesquisa desenvolveu um modelo de previsão epidemiológica para Covid-19. Esse modelo inclui, segundo Friston, uma “estimativa grosseira” de que 80% da população mundial “não terá contato com o vírus, não será infectada caso entre em contato e, caso se infecte, desenvolverá sintomas brandos e não transmitirá a doença”.
Friston coordena um grupo de pesquisas na University College de Londres que criou um modelo de dinâmica causal para fazer previsões sobre a dispersão da epidemia de Covid-19. Neste modelo, o grupo inclui o que conceituaram como “matéria escura epidemiológica”.
Em texto publicado em junho, ele explicou esse conceito: essa “matéria escura”, conceito emprestado da astronomia, seriam fatores sociais e epidemiológicos que não são observáveis. Enquanto outros modelos epidemiológicos consideram que 100% da população pode desenvolver a doença, Friston e seu grupo de pesquisa consideram que, por fatores desconhecidos, uma parcela significativa dos seres humanos é menos suscetível a contrair e a transmitir o vírus.
Por causa dessa “matéria escura epidemiológica”, o neurocientista sugere que a imunidade coletiva pode ser alcançada com uma porcentagem menor da população com anticorpos do que o suspeitado inicialmente. “A implicação dessa heterogeneidade é que nós precisamos apenas de 20% de soroprevalência para [atingir] imunidade de rebanho. Talvez seja essa a fonte para os 80% citados”, diz o cientista.
Em entrevista ao jornal The Guardian, Friston falou sobre o conceito de “matéria escura epidemiológica”, as previsões feitas pelo grupo até o momento e explicou porque acredita que a imunidade coletiva pode vir mais rápido do que o imaginado. Desde então, conteúdos distorcidos sobre a fala do pesquisador vem sendo compartilhados nas redes.
Até o momento, há muitas dúvidas na comunidade científica sobre a imunidade ao novo coronavírus. Pesquisas apontam que as pessoas que conseguiram se recuperar da Covid-19 adquirem imunidade ao patógeno. Ainda não se sabe o certo por quanto tempo ela permanece, nem quão imune as pessoas ficam – ao contrário do que se imagina, muitas vezes, ela pode ser apenas parcial. Nesta segunda-feira (24), um caso de reinfecção foi confirmado em Hong Kong.
Outras pesquisas mostram que existe a possibilidade de imunidade cruzada da Covid-19 com outros coronavírus. Quatro “parentes’ do SARS-Cov-2 são bastante comuns, e causam um tipo de gripe. No início de agosto, um artigo publicado na revista Science mostrou que pessoas que foram contaminadas por um desses vírus desenvolve células T capazes de reconhecer a nova doença. Contudo, ainda não se sabe o grau de imunidade que isso proporciona.
“Também que a política de ‘fechar tudo’ teria sido baseada em ciência falha, e as consequências danosas à sociedade serão sentidas por décadas”
Legenda de imagem compartilhada no Facebook que, até às 19h do dia 24 de agosto de 2020, tinha sido compartilhado por diversas pessoas
A informação analisada pela Lupa é falsa. Por e-mail, Friston explicou que, ao contrário do que a publicação sugere, é favorável a medidas de isolamento social. “Eu nunca afirmei que o lockdown era inútil. Na verdade, nosso trabalho nessa área sugere que lockdown e isolamento sociais são importantes – e interagem com a imunidade populacional e outros fatores de mitigação para determinar a disseminação do vírus”, disse o neurocientista.
Essa informação também foi verificada por Aos Fatos e Estadão Verifica.
Nota: esta reportagem faz parte do projeto de verificação de notícias no Facebook. Dúvidas sobre o projeto? Entre em contato direto com o Facebook.
Editado por: Chico Marés