Prevenção

Não há evidências científicas de que falta de vitamina D cause mortes por Covid-19

By 17/07/2020janeiro 6th, 2021No Comments

Por Agência Lupa

Circula nas redes sociais um post que apresenta dados de um estudo supostamente realizado na Alemanha sobre a relação da taxa de mortalidade por Covid-19 e os níveis de vitamina D. Segundo a publicação, quanto menor o nível de vitamina D no sangue, maior é a chance de o paciente vir a óbito, e que, por isso, a suplementação do composto vitamínico seria uma “melhor” resposta no tratamento no combate ao novo coronavírus. Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:

“Sobre o covid. Estudo promissor relata que pacientes com níveis de vitamina D alto, além de ter mortalidade quase zero tem uma melhor resposta no tratamento para covid, porém temos utopia que o sol por si só nos reabastece, porém sabe-se isso não é o suficiente então faça suplementação”
Legenda de imagem publicada no Facebook que, até as 15h do dia 17 de julho de 2020, tinha sido compartilhada por mais de 210 pessoas

FALSO

 

A informação analisada pela Lupa é falsa. Apesar de o estudo citado na publicação fazer uma correlação da taxa de mortalidade por Covid-19 com os níveis de vitamina D no sangue, ainda não há uma evidência científica de que a falta dessa substância seja a causa dos óbitos provocados pelo novo coronavírus. Tampoco há pesquisas que digam que a suplementação do composto vitamínico seja eficaz na prevenção ou cura da Covid-19.

Um estudo comandado pelo pesquisador Prabowo Raharusun e realizado na Indonésia – e não na Alemanha – relacionou a concentração de vitamina D no sangue de 780 pacientes internados com Covid-19. A pesquisa veio a público somente no formato pré-impressão, ou seja, não passou por uma revisão de outros pesquisadores do meio e não foi, formalmente, publicado por uma revista científica indexada. O levantamento foi removido da plataforma SSRN, onde foi ao ar originalmente. Por meio do banco de dados de captura de telas Wayback Machine, é possível confirmar que o texto chegou a ser disponibilizado na plataforma.

Ao averiguar os dados obtidos por meio de prontuários eletrônicos, os pesquisadores verificaram que, dos 213 casos com insuficiência de vitamina D, classificados no estudo como aqueles com entre 20 e 30 nanogramas por mililitro (ng/ml) no sangue, 87,8% morreram. A taxa de morte entre 179 pessoas que estavam com deficiência de vitamina D, ou seja, abaixo de 20 ng/ml, foi ainda mais alta, de 98,9%. Já entre os 388 pacientes cujos níveis da substância no organismo foram considerados normais, ou seja, com mais de 30 ng/ml, apenas 4,1% morreram.

Entretanto, o estudo mostra também que, nos grupos com insuficiência e deficiência da vitamina, respectivamente 73,8% e 80% dos pacientes apresentavam comorbidades. Já entre os considerados “normais”, apenas 18,8% tinham outras doenças. Além disso, a idade média dos pacientes era consideravelmente mais alta entre os pacientes com concentração menor da substância no organismo. Ou seja, a concentração de vitamina D não era a única diferença entre os dois grupos.

Assim, não é possível, por esse estudo, estabelecer uma relação de causalidade entre a falta da vitamina e as mortes. Apesar dos autores dizerem que acreditam que exista uma relação, eles informam também a necessidade de pesquisas mais aprofundadas para explicar essa associação. “Exames clínicos randomizados são necessários para investigar o papel da suplementação de vitamina D na progressão da Covid-19 e estabelecer seus mecanismos subjacentes”, diz o texto.

Vale pontuar que, no conteúdo analisado pela Lupa, são mencionadas as concentrações de 34 ng/ml, 60 ng/ml e 80 ng/ml. Nenhum desses valores é citado no estudo.

“Estudo” alemão

Os alemães Lorenz Borsche e Bernd Glauner, citados na publicação que circula nas redes sociais, na verdade, fizeram um texto sobre aspectos estatísticos da pandemia. Em um trecho desse texto, eles citam o estudo comandado por Raharusun para defender o uso de vitamina D no combate à Covid-19.

É importante pontuar que o texto não pode ser considerado um estudo científico: esse conteúdo foi publicado pela revista alemã Telepolis, que não é um periódico científico, e no site pessoal de Borsche.

Além disso, nenhum dos autores tem formação em medicina. Glauner diz ter “estudado bioquímica” na Universidade de Tubinga, na Alemanha, sem especificar a qualificação. Borsche, por sua vez, coloca em seu currículo que “estudou matemática, física, sociologia e ciência política”. Profissionalmente, os dois são desenvolvedores de softwares. O trecho do texto que cita a vitamina D foi, segundo os autores, escrito inteiramente por Borsche.

No próprio documento, eles são enfáticos ao afirmar que não é possível dizer até que ponto existe uma eficácia da vitamina D no combate à covid-19. “Se condições pré-existentes também podem ser o resultado de décadas de deficiência de vitamina D, isso terá que ser comprovado em estudos futuros.”

Entusiastas do uso da vitamina D no combate ao novo coronavírus, os dois autores chegaram a enviar uma carta à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, em maio deste ano, sugerindo, a partir desse estudo, que a suplementação de vitamina D poderia ser uma medida preventiva para reduzir a letalidade da Covid-19.

O que dizem os especialistas

O vice-presidente do Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Francisco Bandeira, afirmou à reportagem que o estudo indonésio não pode ser considerado “relevante”, justamente porque não foi submetido a uma revista científica indexada. Além disso, reafirma que não há comprovação científica de que as mortes por Covid-19 sejam por causa dos baixos níveis de vitamina D no sangue. “Isso é uma informação errada”, diz.

À plataforma de checagem norte-americana Factcheck.org, a professora Susan Lanham-New, da University of Surrey (Inglaterra), diz que o estudo não prova em nenhum momento a relação de causa e efeito da vitamina D e os óbitos por Covid-19. Para a pesquisadora A. Catharine Ross, da Pennsylvania State University, essa relação deve ser feita de forma cuidadosa. “É relativamente fácil fazer cálculos de associações, e muitas vezes é isso que a maioria desses estudos faz”.

A Full Fact, plataforma independente de fact-checking da Inglaterra, fez uma checagem similar sobre o estudo indonésio. A conclusão foi de que há problemas no método usado. Além disso, não há evidências científicas no estudo que provem a correlação dos óbitos por Covid-19 e a vitamina D. “Como outros fatores de risco não foram explicados na pesquisa, não podemos dizer pelo estudo se a deficiência de vitamina D afeta as chances de alguém ter morrido de Covid-19”, concluiu. À Full Fact, a plataforma SSRN, onde o pré-print indonésio foi publicado, disse que o estudo foi removido pelos autores.

Sobre o uso da vitamina D na prevenção da Covid-19, o Ministério da Saúde, por nota, reafirmou que ainda não existe nenhum medicamento, substância, vitamina ou vacina eficaz no combate ao novo coronavírus.

A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), juntamente com a Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo (ABRASSO), em nota publicada em abril, repudiam qualquer uso de altas doses de vitamina D como estratégia de otimização de imunidade frente à Covid-19. “Não existe, até o presente momento, nenhuma indicação aprovada para prescrição de suplementação de vitamina D visando efeitos além da saúde óssea.”, diz. A SBEM também reafirma que a suplementação de vitamina D, em doses excessivas, pode desencadear riscos de insuficiência renal, crises convulsivas e morte.

Sem evidências científicas

Um artigo publicado em maio no periódico British Medical Journal (MBJ), mostra que não há evidências científicas de que altas doses de vitamina D ajudem na prevenção ou no tratamento da Covid-19. Desde o início da pandemia, pesquisas apontam que uma parcela significativa dos pacientes infectados pelo novo coronavírus tem taxas baixas dessa substância no organismo. Contudo, nunca foi estabelecida uma relação de causalidade entre esses dois fatos.

Outro estudo desenvolvido por universidades britânicas, de maio deste ano, reafirma que, mesmo que haja uma correlação, não é possível dizer que a vitamina D seja eficaz no combate ao novo coronavírus. O estudo analisou a relação dos níveis de vitamina D e os casos de mortalidade por Covid-19 em países da Europa.

Uma análise recente da Universidade de Hohenheim, na Alemanha, mostrou que uma conexão entre a deficiência de vitamina D e a existência de certas doenças pré-existentes pode aumentar o risco de eventos graves do novo coronavírus. Entretanto, enfatiza: “Até o momento, não há experiência no uso de vitamina D na Covid-19.”

Lupa também publicou uma reportagem no qual explica que não há evidências científicas que comprovem a eficácia da vitamina D contra o novo coronavírus.

Nota:‌ ‌esta‌ ‌reportagem‌ ‌faz‌ ‌parte‌ ‌do‌ ‌‌projeto‌ ‌de‌ ‌verificação‌ ‌de‌ ‌notícias‌‌ ‌no‌ ‌Facebook.‌ ‌Dúvidas‌ sobre‌ ‌o‌ ‌projeto?‌ ‌Entre‌ ‌em‌ ‌contato‌ ‌direto‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌‌Facebook‌.

Editado por: Chico Marés