Circula por grupos de WhatsApp que um bebê de dois anos morreu depois que participou de “experimentos” da vacina contra Covid-19 desenvolvida pela farmacêutica norte-americana Pfizer. A publicação usa a reprodução do que seria uma notícia sobre o assunto. De acordo com o conteúdo do print, a criança teria morrido seis dias depois de receber a segunda dose do imunizante. O texto também afirma que estão em andamento testes da vacina com 10 mil bebês de até seis meses e em 10 mil crianças com idades entre cinco e 11 anos. Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que esse conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação:
“Bebê de dois anos de idade MORRE durante os experimentos da vacina Covid-19 da Pfizer em crianças
Seis dias depois de receber uma segunda dose da vacina experimental contra o coronavírus Wuhan (Covid-19) da Pfizer, um bebê de dois anos faleceu nos testes clínicos da empresa para criança, indicam novos relatórios.
Os testes em andamento incluem mais de 10.000 crianças com idades entre cinco e 11 anos em um dos grupos e outras 10.000 crianças com até seis meses”
A informação analisada pela Lupa é falsa. Até o momento, não foi reportada nenhuma morte entre o grupo de crianças com idades entre 6 meses e 11 anos que participa dos estudos clínicos da vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Pfizer e BioNTech. O ensaio clínico de fase 1 (testada em um número reduzido de participantes) começou em 25 de março, há pouco mais de um mês, e as empresas ainda estão recrutando voluntários. O imunizante deve ser testado (fases 1, 2 e 3) em 4.644 crianças — e não 10 mil — nos Estados Unidos e na Europa nessa faixa etária. A fabricante informou que o resultado desses estudos será divulgado em julho deste ano.
Além de não terem sido divulgadas, até o momento, qualquer informação ou relatórios sobre os resultados preliminares dos testes em andamento, não existe nenhuma notícia com esse mesmo título, “Bebê de dois anos de idade MORRE durante os experimentos da vacina Covid-19 da Pfizer em crianças”, em sites brasileiros. É possível notar também alguns padrões de escrita que não são usuais em notícias. Como, por exemplo, caixa alta no título (“MORRE”). O nome do vírus também não está escrito corretamente. O padrão usado é coronavírus ou novo coronavírus (por não ser o único tipo de coronavírus), ou SARS-CoV-2, e não “coronavírus Wuhan (Covid-19)”. O conteúdo afirma que o óbito do bebê teria sido revelado em “relatórios”, mas não cita a fonte desses documentos.
A “fonte” que aparece na imagem é o site Natural News, uma página negacionista e antivacinas americana que foi banida do Facebook, em 2020, por causa das teorias da conspiração que publica. Esse site de fato publicou um texto afirmando que um bebê de dois anos morreu após participar dos testes da Pfizer, e citou como fonte o Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (Vaers, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Não foi disponibilizado o número do relatório.
Contudo, no texto do site Natural News é dito que a vacina foi aplicada no dia 25 de fevereiro, e a criança teria morrido no dia 3 de março. Nessas datas, os testes com a vacina da Pfizer em crianças ainda não tinha sequer começado. Como dito anteriormente, as primeiras doses foram aplicadas somente em 25 de março.
Relato no Vaers
Outro site negacionista americano, o “The Truth Revolution”, publicou essa mesma história e disponibilizou uma reprodução do que seria o número de identificação do relato de óbito de uma criança feito ao Vaers. Esse mesmo número de ID, no entanto, não foi encontrado na base de dados do sistema.
Porém, ao fazer uma nova busca no Vaers, indicando na pesquisa crianças dessa faixa etária vacinadas com imunizante da Pfizer/BioNTech contra a Covid, chega-se a um outro relato de óbito com descrição similar ao reproduzido pelo site: bebê de dois anos que tomou a segunda dose em 25 de fevereiro e morreu seis dias depois.
Pela descrição disponível no sistema, uma pessoa anônima fez esse relato em 23 de abril sem informar o lote ou quem aplicou a dose. Essa pessoa também afirma que foi aplicada uma “dose única” (a Pfizer demanda duas aplicações) em uma menina de dois anos em 25 de fevereiro, ou seja, exatamente um mês depois da suposta aplicação. A morte teria ocorrido em 3 de março. O relato, que não é considerado oficial, menciona, ainda, que o “bebê iria morrer naquele dia de qualquer jeito”, sem explicar o motivo, e pede para que “fiquem de olho nos cientistas para que [a morte] ela não seja excluída do estudo”.
Vale dizer que qualquer pessoa pode reportar reações adversas a vacinas ao Vaers. Não é necessário comprovar as informações relatadas, mas é crime relatar informações sabidamente falsas.
Nenhum óbito registrado em testes da vacina da Pfizer
Entre 27 de julho de 2020 e 14 de novembro de 2020, 43.548 pessoas acima de 16 anos de idade em 152 diferentes locais em todo mundo participaram dos estudos randomizados da vacina desenvolvida pela Pfizer/BioNTech, a mesma que já tem autorização para ser aplicada em alguns países, como Estados Unidos e também no Brasil. Nesse período de testes, não foi registrado nenhum óbito relacionado ao imunizante.
A farmacêutica norte-americana também conduziu estudo clínico em 2.260 adolescentes com idades entre 12 e 15 anos. Desse total, 18 casos de Covid-19 foram registrados no grupo que tomou placebo. De acordo com a empresa, as reações adversas foram as mesmas já observadas nos voluntários com idade entre 16 e 25 anos e nenhum óbito foi relatado.
Vacinas em crianças
Embora crianças raramente desenvolvam quadros graves de Covid-19, já foram registrados casos de crianças que tiveram infecções e que, posteriormente, desenvolveram uma condição que pode ser letal chamada de síndrome inflamatória multissistêmica em crianças (MIS-C ). Em artigo publicado na revista científica Nature, especialistas defenderam que vacinar crianças pode ter efeitos benéficos na comunidade em geral.
Procurada pela Lupa, a assessoria de imprensa da Pfizer não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Esta verificação foi sugerida por leitores através do WhatsApp da Lupa. Caso tenha alguma sugestão de verificação, entre em contato conosco pelo número +55 21 99193-3751.
Editado por: Chico Marés