Circula pelas redes sociais a informação de que uma análise disponível em um site do governo dos Estados Unidos indicou que, até 28 de agosto deste ano, as vacinas contra a Covid-19 foram responsáveis pela morte de pelo menos 150 mil pessoas no país. Essa informação foi compartilhada pelo influenciador bolsonarista Allan dos Santos em um tuíte, que traz um link da página Regulations.gov – o que permite baixar o documento que comprovaria essa alegação. Por meio do projeto de verificação de notícias, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:
“Link direto de um site do governo americano com análise indicando que até o dia 28 de agosto as vacinas da COVID já mataram pelo menos 150 mil americanos. ”
Publicação compartilhada no Twitter que, até as 11h30 do dia 23 de setembro de 2021, tinha sido retuitado 1.171 mil vezes
A informação analisada pela Lupa é falsa. Até 20 de setembro, data da última atualização, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) informou ter recebido 7.899 notificações de morte de pessoas que receberam a vacina contra a Covid-19 nos Estados Unidos — cerca de 386 milhões de doses já foram aplicadas no país desde dezembro de 2019. Esses registros, no entanto, não significam que os óbitos notificados foram causados pelos imunizantes. Qualquer pessoa pode reportar reações a vacinas e os problemas relatados não são necessariamente confirmados.
Diferentemente do que sugere a publicação, revisões de informações clínicas como atestados de óbito, autópsia e registros médicos indicaram, segundo o CDC, que as mortes notificadas não têm relação causal com os imunizantes. O órgão informa que relatórios recentes indicam uma “relação causal plausível” apenas em uma situação específica, que seria entre a fórmula da Janssen e a Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (TTS) – evento adverso raro e sério que causa coágulos sanguíneos e baixa contagem de plaquetas. Das 28 pessoas diagnosticadas com TTS após a dose única da Janssen, apenas três morreram. Não é possível afirmar, portanto, que as vacinas contra o Sars-CoV-2 mataram mais de 7 mil pessoas no país, muito menos 150 mil.
Além disso, embora o link divulgado na publicação seja de um site do governo norte-americano, o Regulations.gov, isso não quer dizer que os documentos disponíveis na página, como a análise de mortes associadas à vacina citada na publicação, por exemplo, sejam todos oficiais. Essa plataforma foi criada para que qualquer cidadão participe dos processos de regulamentação do país por meio de comentários. Os comentários podem ser submetidos por qualquer pessoa e ficam públicos, mas não necessariamente refletem o posicionamento do governo ou mesmo representam o resultado de um levantamento validado por pesquisadores ou por agências oficiais.
A análise citada no tuíte é assinada pela médica Jessica Rose e pelo especialista em estatística Mathew Crawford. Esses profissionais estão ligados a um grupo chamado VaccineTruth, formado por pessoas que, segundo a descrição da página, “se preocupam com a segurança das vacinas contra a Covid-19”. No documento submetido na plataforma Regulations.gov, os dois autores analisaram o banco de dados do Sistema de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (Vaers, na sigla em inglês), administrado pelo CDC e pelo Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, e concluíram que “é provável” que mais de 150 mil americanos tenham sido mortos pelos imunizantes.
Para chegar a essa conclusão, eles calcularam os dados do Vaers e a taxa de reações como anafilaxia indicadas em um artigo — não estudo — sobre reações alérgicas agudas a vacinas mRNA, publicado em março deste ano. Os próprios autores afirmam no texto que a análise se trata de uma hipótese e que o objetivo do artigo é encontrar uma estimativa confiável sobre as possíveis mortes causadas pelas vacinas. Segundo essa teoria, a anafilaxia (reação alérgica grave e imediata após a exposição a um possível alergênico) é um tipo de evento adverso que deveria ser considerado nas notificações relacionadas aos imunizantes contra o novo coronavírus.
Como explicado acima, não é possível atestar que os relatos de efeitos adversos ou de óbitos feitos ao Vaers tenham sido, de fato, causados pelas vacinas. Isso porque outras doenças existentes podem ter provocado efeitos colaterais e os números podem estar errados ou incompletos. Além disso, qualquer pessoa pode reportar problemas no sistema. O próprio site avisa que os números não podem ser usados para concluir que todos os efeitos informados foram causados pelos imunizantes. Portanto, qualquer cálculo feito a partir da base de dados do sistema não leva a conclusões corretas.
O artigo também sugere, ao final, que o tratamento precoce com alguns medicamentos seria mais seguro do que as vacinas – o que também não é verdade. Até o momento não existe comprovação de que qualquer profilaxia medicamentosa seja eficaz contra a doença.
Procurado pela Lupa, Allan dos Santos não respondeu até a publicação desta checagem.
Esta verificação foi sugerida por leitores através do WhatsApp da Lupa. Caso tenha alguma sugestão de verificação, entre em contato conosco pelo número +55 21 99193-3751.
Editado por: Maurício Moraes